Enquanto o primeiro-ministro Luís Montenegro se reúne hoje na cúpula de Brasília com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar da situação dos brasileiros em Portugal, a emigrante Viviana Mello vai à agência de imigração em Lisboa denunciar um episódio que considerou surreal.
Como milhares de imigrantes têm feito, a auxiliar de ação médica brasileira recorreu há quatro meses ao processo judicial contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Ela tenta fazer uma autorização de residência via reagrupamento familiar para a sua mãe, Maria do Socorro, de 70 anos.
A autorização de residência de Viviana venceu em 13 de dezembro de 2024, no meio do processo judicial. Diante do caos burocrático, o governo prorrogou até 30 de junho deste ano o decreto-lei que amplia automaticamente a validade das autorizações expiradas. Ou seja: são válidas para todos os serviços dos órgãos públicos, como a própria AIMA publicou em seu site.
A realidade é outra e nem o governo português reconhece o decreto que prorrogou. Apesar de a Justiça notificar a decisão pelo reagrupamento de Maria do Socorro, a AIMA negou o agendamento alegando que a autorização de residência de Viviana está vencida.
— A AIMA não agendou alegando que minha autorização de residência está vencida — diz ela, mostrando uma cópia da defesa enviada aos tribunais pelo escritório da advogada Arabelle Nery, onde consta a alegação da AIMA:
“Em virtude de o título de residência da A. não se encontrar válido não é exequível proceder ao agendamento para comparência na AIMA para efeitos de formalização do pedido de reagrupamento familiar”.
A advogada Arabelle Nery rebateu: "Não concordamos com a resposta pelo fato de estar em vigor o decreto-lei nº 41-A/2024, de 28 de junho (...) que procede à prorrogação do prazo (...) relativo à validade de documentos e vistos. (...) A própria AIMA está se contradizendo na medida que informa que o título de residência da autora está vencido".
Com a resposta da AIMA em mãos, Viviana começou a sua peregrinação pelos órgãos públicos.
— Estive no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), que informa que não pode fazer nada porque depende da AIMA para liberar o agendamento. Encaminharam um endereço da AIMA. Estive lá em 31 de janeiro e solicitei o livro de reclamações porque é um absurdo — diz ela.
Em Portugal, o livro de reclamações é um documento de denúncia regulamentado por lei e que obriga as empresas ou o governo a darem uma resposta em um determinado prazo.
— Disseram que com cinco dias teria um retorno. Até o momento, não tenho. Hoje (ontem), recebi um e-mail da AIMA dizendo que tenho que acessar os canais para fazer meu agendamento. Como, se não existem vagas?
Ela foi ao posto da AIMA no Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes (CNAIM) hoje para fazer nova reclamação/deúncia:
— Vou novamente na AIMA e fazer outra reclamação em cima dessa denúncia do dia 31 que não tive retorno.
Viviana teme que Maria do Socorro enfrente problemas com a imigração portuguesa se for ao Brasil. Segundo a brasileira, a mãe precisa viajar por motivos particulares e voltar a Portugal. Mas poderia ser barrada.
O problema está longe de ser uma exclusividade da família de Viviana. Como o Portugal Giro tem publicado, há anos que o decreto, criado na pandemia de Covid-19, é prorrogado com o risco de ser ignorado.
Seria uma medida provisória que ficou permanente, sem garantir validade da autorização de residência diante de empresas privadas e instituições públicas, como a AIMA.
Aplicativos com reconhecimento automático de validades renegam o decreto e interrompem serviços. Há obstáculos para renovar documentos, benefícios sociais e cartões bancários.
Procurada, a AIMA não respondeu.
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