O ex-embaixador do Brasil na China Marcos Caramuru, hoje conselheiro estratégico do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), avalia que a política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está empurrando o Brasil para uma relação econômica ainda mais estreita com a China. Em entrevista ao site chinês Guancha, publicada nesta segunda-feira (4/8), o diplomata aposentado criticou o aumento de tarifas imposto por Washington e comentou o impacto geopolítico do estreitamento das relações sino-brasileiras.
Trump anunciou que, a partir de 1º de agosto, bens importados do Brasil passarão a pagar tarifas de 50%. Além disso, pressionou publicamente para que investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro sejam encerradas, atitude que Caramuru classificou como uma tentativa explícita de ingerência política. “Os Estados Unidos não vão recuar das tarifas, e isso fará com que exportemos menos para eles. Esse é um erro que só vai empurrar o Brasil ainda mais na direção da China”, disse.
Caramuru explica que o estopim da medida de Trump não foi apenas comercial, mas também geopolítico. Segundo ele, o esforço de “desdolarização” promovido pelo BRICS – bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – provocou irritação na Casa Branca. O diplomata acredita que a postura norte-americana acaba por reforçar os vínculos com o gigante asiático, principalmente em um contexto no qual a China já é o maior destino das exportações brasileiras, absorvendo 28% do total.
“Se o presidente Lula vencer novamente, a tendência é de ainda mais confiança e cooperação com a China. Se a direita retornar ao poder, dependerá de quem será o candidato, mas mesmo assim os laços econômicos dificilmente serão revertidos”, destacou.
Na entrevista ao Guancha, Caramuru também analisou os limites estruturais da economia brasileira diante da nova ordem global. Ele lembrou que o Brasil tem uma taxa de poupança interna de apenas 16% do PIB, o que obriga o país a depender de capital estrangeiro para crescer acima de 4% ao ano.
Do ponto de vista financeiro, afirma o diplomata, o Brasil continuará fortemente vinculado aos Estados Unidos e à Europa, devido à abertura e profundidade dos sistemas bancário e de capitais do Ocidente. Já na política externa e no comércio, a Ásia – e especialmente a China – tende a ganhar ainda mais peso, criando um dilema estratégico: valores alinhados ao Ocidente e dependência econômica crescente do Oriente.
“O Brasil é um país de valores ocidentais, mas a nossa economia olha cada vez mais para a Ásia. Esse equilíbrio será sempre delicado”, observou.
Para os próximos dez anos, Caramuru vê continuidade e aprofundamento do comércio e do investimento chinês no Brasil. Ele citou setores como automotivo, energia e serviços como os mais promissores, além de ressaltar que a cooperação em projetos de ciência e tecnologia, como o radiotelescópio para captar oscilações acústicas de bárions, já começa a mostrar resultados concretos.
Apesar das tensões políticas e da pressão de Washington, o ex-embaixador acredita que não haverá ruptura. “Não vejo mudanças significativas na próxima década. A relação já atingiu um patamar muito alto e deve permanecer assim, mesmo com desafios políticos”, concluiu.
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