Leonardo Attuch - O pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em rede nacional de televisão na noite de ontem, sinalizou uma guinada estratégica no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) até R$ 5 mil mensais, combinada com uma tributação mínima para os mais ricos, não é apenas uma reforma fiscal. É um movimento político audacioso que visa reconectar a classe média ao projeto representado pelo Partido dos Trabalhadores, ao mesmo tempo em que enfrenta o poder das elites econômicas e midiáticas. Essa é também uma iniciativa que projeta Haddad como um nome forte para suceder o presidente Lula, seja em 2026 ou em 2030.
Para quem não viveu os governos Lula 1 e Lula 2, sempre é bom lembrar que ambos foram marcados por uma transformação social sem precedentes, com cerca de 40 milhões de brasileiros saindo da pobreza graças a políticas como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e o acesso ampliado ao crédito. Nos governos Dilma Rousseff, o pleno emprego foi alcançado, e o objetivo declarado era consolidar o Brasil como um país de renda média.
Esse ciclo virtuoso foi abruptamente interrompido pelo golpe parlamentar de 2016. Com Michel Temer e Jair Bolsonaro no poder, várias políticas regressivas foram implementadas, a renda voltou a se concentrar nas mãos dos mais ricos e a classe média, esmagada pela perda de poder aquisitivo, ficou órfã de representação política, mas acabou capturada por discursos lavajatistas ou de extrema-direita.
Foi apenas durante a pandemia de covid-19 que o auxílio emergencial de R$ 600, ainda que insuficiente, devolveu algum alívio às camadas mais pobres da população. A classe média, no entanto, permaneceu esquecida – um vácuo que agora Haddad tenta preencher.
Haddad parece compreender que, para reconstruir o pacto social destruído pelo golpe de 2016, é necessário oferecer à classe média um caminho que a atraia para fora da órbita dos interesses do "andar de cima". Historicamente, esse segmento oscilou entre o apoio ao PT, como ocorreu em 2002 e 2006, e a adesão às narrativas conservadoras que emergiram com força nos últimos anos. Reconectar-se com essa base exige mais do que medidas fiscais. Exige também comunicação eficaz, que explique as distorções do sistema tributário e desmascare o privilégio de poucos à custa de muitos.
A proposta de Haddad, ao dobrar o número de isentos do IR para mais de 30 milhões, é um passo nessa direção. Ao propor uma alíquota mínima de 10% para rendimentos acima de R$ 50 mil, o ministro acena para a justiça fiscal, mas também desafia diretamente os interesses do topo da pirâmide social. E os donos do capital controlam praticamente todos os aparelhos ideológicos, como rádios, jornais, televisões e até mesmo igrejas.
Para Haddad, a missão vai além de corrigir as injustiças tributárias. Ele terá que enfrentar uma máquina ideológica poderosa, capaz de manipular o discurso público e resistir a qualquer tentativa de redistribuição de renda. O confronto com a elite econômica será feroz, e o sucesso dependerá da capacidade de mobilizar a classe média e resgatar o protagonismo social desse segmento, como já ocorreu no passado.
Se a proposta de Haddad prosperar, o Brasil poderá dar um passo histórico rumo à progressividade fiscal e à reconstrução de um pacto social baseado na equidade. Caso contrário, permanecerá refém de um modelo que perpetua privilégios e engessa não apenas o desenvolvimento do País, como o próprio debate de ideias.
A classe média, que já foi central na consolidação de projetos progressistas no passado, será novamente decisiva. A dúvida é se Haddad conseguirá conquistar essa base e pavimentar o caminho para um novo ciclo de transformações sociais no Brasil.
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