Estudo recente publicado na revista Nature Communications traz uma estratégia inovadora para contracepção em gatos, sem necessidade da cirurgia de esterilização, que é atualmente a prática mais utilizada para evitar filhotes. Há, segundo estimativa publicada na revista Science, 1,5 bilhão de cães e gatos abandonados no mundo, número que equivale aproximadamente à população da Índia, e que gera problemas sanitários, ecológicos e, claro, enorme sofrimento animal. No Brasil, a Organização Mundial de Saúde estima 30 milhões de animais abandonados: 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. Organizar mutirões de castração para todos esses bichos seria inviável, tanto em termos de logística quanto de custo. Uma estratégia que traga o mesmo resultado com apenas uma injeção seria, portanto, muito bem-vinda.
O estudo, conduzido por dois cientistas nos EUA, David Pepin, um biólogo especialista em reprodução, do Hospital Geral de Massachusetts, e William Swanson, também biólogo, especialista em conservação, do zoológico de Cincinatti, ainda é preliminar. A terapia gênica – ou seja, uma maneira de manipular o funcionamento dos genes de um organismo – foi testada em nove gatas.
Usando um vírus modificado para inserir nas gatas um gene que aumenta a produção do hormônio antimuleriano (AMH) pelos ovários, os cientistas buscavam descobrir se o excesso de AMH iria impedir a ovulação das felinas, efeito já observado em fêmeas de camundongo.
É importante ressaltar que o projeto só foi possível graças ao financiamento de uma ONG dedicada à proteção animal, a Michelson Found Animals Foundation, que disponibilizou US$ 50 milhões para projetos de pesquisa que investigassem uma alternativa à cirurgia de esterilização.
O experimento foi um sucesso. O vírus modificado foi inserido nas gatas por injeção intramuscular. As gatas foram divididas em grupo de tratamento – que recebeu a terapia gênica – e grupo controle – que recebeu um placebo, um vírus não modificado e sem o gene de interesse. Foram observadas por quatro meses, e tiveram a oportunidade de acasalar com dois machos diferentes. No grupo de tratamento, quatro gatas rejeitaram os machos. Outras duas aceitaram e tiveram várias interações sexuais, mas nenhuma engravidou. Já no grupo controle, todas as três felinas engravidaram e tiveram ninhadas. As gatas do grupo tratamento foram acompanhadas por dois anos, e viu-se que o excesso de hormônio ainda estava sendo produzido. Uma foi acompanhada por cinco anos, também mantendo a produção do hormônio. Além disso, nenhuma gata apresentou reação adversa.
O estudo, feito com poucas gatas, precisa ser replicado com um número maior de animais e o tratamento, testado também em cadelas. A injeção de terapia gênica não impede o ciclo normal do estro: ou seja, as gatas ainda entram no cio normalmente, e nem traz os benefícios da cirurgia de castração, que diminui a incidência de câncer de mama e outros problemas de saúde comuns em gatas não esterilizadas. Talvez por isso não seja uma opção tão atraente para os animais domésticos.
No estudo, uma das gatas, a que expressou os níveis mais altos de AMH, não desenvolveu hiperplasia (aumento anormal do número de células) do endométrio, mas duas outras felinas, que produziram anticorpos contra o hormônio, tiveram a doença. Os pesquisadores dizem que se tudo correr bem, e estes problemas forem resolvidos, ainda deve demorar pelo menos cinco anos para a nova injeção chegar ao mercado. E alertam que para ser uma solução para animais de rua em países em desenvolvimento, a dose precisa ter um preço adequado. Se for bem-sucedida, a terapia pode ser uma alternativa mais barata e mais simples para controlar as populações de cães e gatos abandonados – e no Brasil, quem sabe, de capivaras.
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