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Histórias de seis mulheres à frente de seu tempo

Histórias de seis mulheres à frente de seu tempo

09/03/2021 às 15h43 Atualizada em 09/03/2021 às 18h43
Por: Redação
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Foto: Reprodução
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O EL PAÍS resgata as figuras de seis americanas e latino-americanas que foram esquecidas por anos, condenadas ao ostracismo ou desvalorizadas por causa de seu gênero: das sufragistas que lutaram pelo voto feminino, como Paulina Luisi, que conseguiu aprovar a primeira lei de participação política das mulheres na América Latina, no Uruguai, em 1932; a Prudencia Ayala, uma “humilde índia salvadorenha”, como ela própria se definia, que desafiou tudo o que estava estabelecido e concorreu à presidência de seu país em 1930, quando as mulheres não podiam nem votar.

Há também mulheres pioneiras no mundo da cultura, como a pintora mexicana María Izquierdo, a primeira a expor nos Estados Unidos, mas que foi depreciada e afastada pelos muralistas homens; ou a prolífica escritora colombiana Soledad Acosta de Samper. Seu romance principal, publicado no final do século XIX, tem como protagonistas duas mulheres fortes que não morrem de amor, mas traçam os próprios destinos.

Estes relatos representam os de milhares de mulheres que foram pioneiras em uma sociedade que não lhes dava importância, mas que acreditaram em si mesmas e lutaram por todas nós que viemos depois.

 

Claudette Colvin - A primeira afro-americana a não ceder seu assento no ônibus. Nove meses antes de Rosa Parks se recusar a se levantar de um banco de ônibus no Alabama, uma adolescente fez o mesmo e foi presa por violar as leis de segregação racial. Mas o rosto dela não foi o que passou para os livros de história.

[caption id="attachment_38814" align="alignnone" width="183"] Claudette Colvin[/caption]

Ela fez história em um ônibus em Montgomery (Alabama, Estados Unidos), quando tinha 15 anos. Em 2 de março de 1955, um motorista obrigou a garota afro-americana a ceder o assento a uma mulher branca, apesar de haver mais três disponíveis. Ela se negou enquanto gritava que tinha o direito de ficar sentada ali. Dois policiais a arrastaram violentamente para a parte traseira do veículo, algemaram-na e a levaram sob custódia por violar a lei de segregação racial dos EUA na rede de transportes. O ato de bravura ressoa até hoje, mas com outro nome como protagonista: Rosa Parks. Ela encarnou a mesma façanha, nove meses depois. Ativistas de direitos civis não escolheram Colvin como seu símbolo de luta por acreditarem que ela não atendia ao perfil da sociedade da época. A cor de sua pele era mais escura, tinha um temperamento “emocional” e, alguns meses depois da prisão, engravidou de um homem casado.

O agente que redigiu o boletim de ocorrência sobre a prisão de Colvin deixou algumas casas sem preencher, mas não a da nacionalidade: “negra”. O pastor da igreja que a estudante frequentava pagou fiança horas depois. Em seu julgamento, a jovem se declarou “não culpada”, mas o tribunal decidiu contra ela, que saiu da prisão em libertada condicional. A mídia cobriu o feito da estudante e um reverendo não muito conhecido na época, chamado Martin Luther King, veio em sua defesa.

A organização pelos direitos dos afro-americanos (NAACP) vinha pensando há anos em como acabar com a segregação nos ônibus de Montgomery e estava em busca de um ícone. Pensaram em Claudette Colvin, mas rapidamente a dispensaram por causa da sua personalidade forte, sua idade e porque sentiram que uma futura mãe solo poderia atrair muita atenção negativa em uma batalha jurídica pública e pouca empatia da comunidade negra conservadora e dos brancos.

Após sua prisão, ela foi contatada pela secretária da NAACP, Rosa Parks, para ingressar na organização e elas se tornaram próximas. Meses depois, em dezembro, Parks se recusou a ceder seu lugar em outro ônibus, o que causou a revolução sobre a qual hoje se lê nos livros de história.

A mídia da época noticiou que “outra” mulher negra havia cometido “o mesmo” crime que Colvin. Mas a mãe da jovem a aconselhou a ficar quieta e deixar Parks simbolizar a luta, já que a cor de sua pele, mais clara que a dela, iria aplacar as críticas dos brancos. Parks era o rosto de uma mulher de classe média, mais escolarizada e casada, enquanto ela era uma adolescente que havia crescido entre os animais em uma fazenda em Pine Level, a 50 quilômetros de Montgomery.

Colvin tornou-se mãe em março de 1956. Naquele mesmo ano, foi uma das quatro afro-americanos que entraram com uma ação no tribunal federal no caso Browder v. Gayle, que terminou com uma decisão do Supremo Tribunal que anulou as portarias de segregação nos transportes públicos. O boicote aos ônibus de Montgomery pela comunidade negra alimentou o movimento pelos direitos civis liderado por King que mudou a história norte-americana. Colvin descobriu com a notícia do veredicto: nenhum advogado telefonara para ela. Dois anos depois, nas sombras, a jovem de 20 anos se mudou para Nova York. Lá continua aos 81 anos. Trabalhou por mais de três décadas como auxiliar de enfermagem e se aposentou em 2004. Depois de deixar sua cidade natal, teve outro filho. O primeiro morreu aos 37 anos. O segundo, contador, vive em Atlanta.

Quando o escritor Phillip Hoose estava pesquisando para seu livro We were there too! Young people in American History (2001) ficou sabendo da adolescente rebelde anterior a Rosa Parks. Finalmente, ele se encontrou com Claudette Colvin, que durante quase quatro anos se recusou a falar com ele. Uma de suas primeiras perguntas ao concordar que escrevesse um livro sobre ela foi se ele estaria disponível nas escolas. Claudette Colvin: Twice Toward Justice (2009) acabaria dando a Hoose o National Book Award e a Colvin o reconhecimento por seu ativismo e o lugar que merece na luta pelos direitos civis. Embora seu nome esteja longe de ser reconhecido pela sociedade norte-americana como o de Rosa Parks, sua façanha precoce já está nos livros e há ruas em Nova York e Montgomery que levam seu nome. “Sei em meu coração que ela [Rosa Parks] era a pessoa certa” para liderar a causa, disse ela ao The New York Times em 2009.

 

María Izquierdo - Foi a primeira mexicana a ter uma exposição nos EUA e sua obra, colorista e expressionista, a transformou em uma das figuras mais representativas da arte do país no século XX. Seus colegas pensaram que sua obra mural deveria ser relegada a escolas e mercados por ser mulher.

[caption id="attachment_38815" align="alignnone" width="199"] María Izquierdo[/caption]

Em San Juan de los Lagos, um pequeno povoado de Jalisco, uma Virgem Maria milagrosa atraía os peregrinos a cada ano desde o século XVII. Ali, em uma data duvidosa – o consenso é 1902, mas pode ter sido 1907 – nasceu María Izquierdo, que transformou as cores das feiras mexicanas em uma obra pictórica que a levou a expor em quase todo o mundo e a ser a primeira mexicana a fazer uma mostra nos Estados Unidos. “Nunca poupei esforço, tempo e trabalho para minha única obsessão: servir ao México através da arte”, escreveu em uma de suas últimas cartas em 1953.

Órfã de pai, casada aos 14 anos com um militar muito mais velho do que ela, divorciada apesar do escândalo, mãe de três filhos, María Izquierdo foi uma pintora prolífica, professora, defensora da arte feita em seu país e militante incansável em apoiar o trabalho das mulheres.

A artista se mudou com sua família à Cidade do México e entrou com 25 anos na Academia Nacional de Belas Artes. Em uma exposição da escola, o à época diretor Diego Rivera declarou que os três quadros assinados por M. Izquierdo eram “a única coisa de valor” da mostra. O impulso de Rivera fez com que ela completasse sua primeira exposição sozinha na recém-fundada Galeria de Arte Moderna em 1929.

Um ano depois, Izquierdo viajou aos Estados Unidos para expor no Arts Center de Nova York e se transformou na primeira mexicana a ter uma mostra no país. “María tinha uma pincelada muito solta, muito expressiva, uma força muito importante, com traços muito decididos, contornos e linhas subitamente grossas, mas principalmente um manejo de cor espetacular, que faz sua arte muito chamativa”, define Deborah Dorotinsky, doutora em História da Arte pela Universidade Autônoma do México. A própria artista escreveu em 1947 sobre sua obra: “Tenho verdadeira paixão pela cor: é o que mais me emociona de todas as coisas que existem”. A pintora trabalhou com todos os temas: retratos, cenas circenses, paisagens e natureza morta, com relevância dos chamados altares de dores. “Eu me esforço para que minha pintura mostre o México autêntico que sinto e amo”.

As protagonistas de suas obras eram mulheres audazes, fortes, sagazes, corajosas. Estes traços não refletem os estereótipos da época sobre as mexicanas, que incluíam a abnegação, o pudor e a pureza. “Eram qualidades tipicamente atribuídas aos heróis masculinos retratados nos murais mexicanos”, escreve em seu ensaio a pesquisadora da Universidade do Texas Nancy Deffebach.

Sua separação final com os muralistas se torna tangível em 1945. Quando Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros bloqueiam um mural encomendado a Izquierdo pelo Governo em uma escadaria do Palácio do Distrito Federal. Teria 154,86 metros quadrados e um custo de 34.843 pesos. Prestes a começar a obra, os muralistas concluíram que Izquierdo “não tinha muita experiência na prática do afresco, de modo que era preferível colocá-la em algum outro edifício de menor importância”, diz Dina Comisarenco em seu livro Eclipse de siete lunas. Mujeres muralistas en México (Eclipse de sete luas. Mulheres muralistas no México). Pensaram que sua obra ficaria melhor em uma escola ou um mercado, os lugares nos quais as mulheres deveriam pintar.

Este episódio afundou María emocional e economicamente e nunca chegou a se recuperar. “Pintaria o afresco se me dessem a oportunidade, mas até hoje só dão esses trabalhos aos mestres homens, campo que me foi negado em meu próprio país”, declarou depois.

Morreu em dezembro de 1955 por uma embolia, doente e pobre. Em uma de suas últimas cartas, escreve ao à época presidente da República mexicana Adolfo Ruíz Cortines para pedir-lhe uma ajuda econômica que permitiria sua volta à pintura, da qual estava afastada há anos por uma paralisia total que a fez perder, em suas palavras, o pouco que havia ganhado com sua obra. Nessa carta, triste e desesperada, María encontra coragem para se reconhecer como o que havia sido: uma das mais destacadas e representativas artistas mexicanas do século XX. “Sei que é muito o que peço, mas me atrevo a fazê-lo consciente de ter dedicado com absoluto desinteresse quase um quarto de século à arte no México”.

Izquierdo nunca se reconheceu como feminista, mas em uma entrevista na rádio em 1939 pede igualdade de fato entre homens e mulheres: “Só agora a mulher começa a ter oportunidade para desenvolver seu talento, por isso não me estranha que ainda não tenha igualado os mestres imortais da pintura. Mas acho que se a mulher continuar conquistando mais e mais liberdade de expressão, chegará tão alto quanto eles nas artes plásticas, por que não?”.

 

Prudencia Ayala - Quando ela, mãe solo, indígena e com pouca educação formal lançou sua candidatura à presidência de El Salvador em 1930, as mulheres não podiam votar. Foi chamada de louca e analfabeta, mas sua coragem abriu o caminho à participação política das salvadorenhas.

[caption id="attachment_38816" align="alignnone" width="300"] Prudencia Ayala[/caption]

Prudencia Ayala (1885-1936) tinha tudo para estar do lado das esquecidas da história: mulher indígena e pobre, só pôde ir à escola até o segundo grau porque sua mãe não podia continuar pagando pelos estudos. Com seu espírito autodidata e seu pensamento mágico ―desde criança dizia que escutava vozes e começou a prever o futuro― foi ganhando espaço na sociedade salvadorenha da época, até que em 1930 se transformou na primeira na América Latina a concorrer à presidência. O fez “orgulhosa de ser uma humilde índia salvadorenha”, como disse ao lançar sua candidatura, e em um momento em que as mulheres do El Salvador ainda não podiam votar.

“A mulher governou na Europa no sistema monárquico. Por que é estranho governar nas Repúblicas do continente indo-latino-hispano-americano? (...) Não é tirar os direitos do homem, e sim constituir a soberania nacional nos dois sexos que formam a família humana”, escreveu na primeira das três edições do Redención Femenina (Redenção Feminina), um jornal que fundou para expor suas ideias feministas. Com as roupas que ela mesma fazia e um bastão de madeira, elemento que naquele momento era reservado aos homens intelectuais, Prudencia Ayala mostrava uma coragem excepcional para enfrentar os preconceitos e o machismo imperantes.

Filha de um indígena mexicano e uma indígena salvadorenha, Ayala nasceu em 1885 no departamento de Sonsonate. Com 10 anos se mudou com sua mãe para Santa Ana, uma cidade cafeeira onde conheceu o movimento sindicalista. Lá começou a ganhar a vida como costureira. Aos 12 anos começou a ter premonições que, anos depois, publicaria no Diario de Occidente de Santa Ana. Em suas páginas acertou algumas profecias, como a queda do kaiser da Alemanha em 1914, o que valeu a ela o apelido de a Sibila Santaneca. Já como mãe solo ―teve dois filhos―, Ayala publicou poemas e artigos em que promovia a união centro-americana e a igualdade entre homens e mulheres. Também escreveu contra as ditaduras e contra a intervenção militar norte-americana na Nicarágua. Em 1919 foi presa após acusar de corrupção o prefeito de Atiquizaya. Ao sair da prisão foi à Guatemala, onde a acusaram de participar do golpe de Estado contra o ditador Manuel Estrada Cabrera. De volta ao seu país, publicou três obras: Escible, Aventuras de un viaje a Guatemala (1919); Inmortal, amores de loca (1925) e Payaso literario en Combate (1928).

Em junho de 1930, deu uma cartada ao concorrer à presidência de um país onde as mulheres não podiam votar. “Ela o via como uma luta pelos direitos femininos”, afirma Tania Primavera, do Museu da Palavra e da Imagem de El Salvador (MUPI). “Irrompe em um momento em que somente as mulheres da alta sociedade saíam nos anúncios penteando-se, indo a bailes. Existia muito luxo na capital, enquanto ela via os trabalhadores do café carregando o país e ganhando uma miséria. Ela tentava mudar tudo isso.”

A candidatura de Ayala foi repudiada por muitos. Os jornais da época a caricaturizaram de louca, feia, analfabeta, desordeira e machona. Também teve aliados, como os estudantes que a ovacionaram e o fundador do jornal La Patria (A Patria), Alberto Masferrer, com quem compartilhava ideias feministas e anti-imperialistas e que definiu sua causa como “nobre e justa”. De seu plano de Governo, que tinha 13 pontos, disse que não era inferior “aos dos outros candidatos que são levados a sério.” Nele promovia a educação pública, o apoio à classe trabalhadora, o direito ao voto das mulheres, a não discriminação aos filhos ilegítimos e suprimir “o quanto antes” o aguardente.

Sua candidatura não foi adiante porque a Suprema Corte determinou que as mulheres não tinham direito a concorrer a cargos públicos. Prudencia Ayala morreu em julho de 1936 e permaneceu no esquecimento por mais de meio século até que uma casualidade a tirou do ostracismo. Em 1996 um de seus filhos viu uma foto sua em uma exposição do MUPI em San Salvador e disse ao diretor do museu que sua família tinha um baú com os textos e objetos de sua mãe.

O filho, já idoso, morreu pouco depois do encontro, mas a pista serviu ao museu para reconstruir seu legado. E Prudencia Ayala deixou de ser a “louca” que concorreu à presidência para ser uma mulher corajosa que, com rebeldia e determinação, lutou pelo que acreditava ser justo, gerou um debate e criou um precedente na luta das mulheres salvadorenhas.

 

Soledad Acosta de Samper - A prolífica romancista, jornalista e historiadora colombiana permaneceu esquecida durante a maior parte do século XX. Sua obra, que reflete sobre o papel da mulher na sociedade, marcou o caminho para outras escritoras.

[caption id="attachment_38817" align="alignnone" width="315"] Soledad Acosta de Samper[/caption]

Quando se impunha o silêncio às vozes femininas, a colombiana Soledad Acosta de Samper (1833-1913) se atreveu a tomar a palavra. Sua pena veio com tudo. Com uma longa lista de pseudônimos que incluíram Bertilda, Andina e Aldebarán, escreveu dezenas de romances, contos, crônicas, estudos sociais, tratados de história e obras de teatro. Foi reconhecida por seus contemporâneos, mas, após sua morte em Bogotá, seu nome desapareceu por décadas.

Foi jornalista da primeira à última linha que escreveu ao longo de quase 60 anos, frisa Isabel Corpas de Posada, uma de suas biógrafas. Foi quando em 1859 enviou de Paris ao jornal Biblioteca de Senhoritas seu primeiro texto com notícias da atualidade, e nos anos seguintes quando outros jornais de Bogotá e Lima publicaram suas ‘correspondências’, as crônicas jornalísticas da época. Também quando saíam seus romances por capítulos nos jornais de Bogotá, e seus textos, publicados em revistas colombianas e europeias, nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do XX. Para a biógrafa, Soledad Acosta de Samper foi uma transgressora dos limites tradicionais entre o feminino e o masculino, que prendiam a mulher no espaço doméstico e a impediam de ter uma voz pública.

“Era uma mulher culta e cosmopolita, de classe privilegiada, que havia viajado pelo mundo e sabia vários idiomas”, conta a escritora Pilar Quintana em seu prólogo para uma próxima reedição de El Corazón de la Mujer (O Coração da Mulher). “Fundou cinco revistas, refletiu sobre o papel da mulher na sociedade, defendeu sua educação e trabalho intelectual e abriu o caminho às escritoras colombianas, em uma época em que se acreditava que as mulheres deviam se dedicar exclusivamente à família e aos trabalhos domésticos. Essas ideias liberais, precursoras do feminismo, conviviam nela com outras mais conservadoras e de tradição religiosa, já que era uma católica devota”, detalha a autora de La Perra (A Cachorra). Suas histórias, diz Quintana, transcorrem em uma Colômbia convulsionada pela guerra, em fazendas, aldeias, cidades médias e em uma Bogotá ainda salpicada por elementos mais próprios do campo e da natureza.

Viajante contumaz, Soledad Acosta de Samper nasceu na capital colombiana, mas desde os 12 anos morou no Canadá, Inglaterra, Peru e em Paris, onde esteve em três épocas diferentes. Ao voltar à Colômbia, se casou com o político e escritor José María Samper, com quem teve quatro filhas. “Apesar da mal-intencionada e falsa piada “Soledad nas costas de Samper”, para dizer que sua carreira e notoriedade se deviam ao seu marido, seu casamento desafiou as convenções da época. Do seu modo, ela constitui em sua obra e em sua vida um precedente de certas premissas igualitárias que, com o tempo, os movimentos feministas conquistariam”, diz a biografia que está em Recuerdos de Santafé (Lembranças de Santafé), editada por Antonio García Ángel, na coleção de circulação gratuita Libro al Viento (Livro ao Vento), da Prefeitura de Bogotá.

Una Holandesa en América (Uma Holandesa na América) é talvez seu romance mais importante, o que marca sua maturidade e um dos mais importantes da literatura hispano-americana do século XIX, diz Carolina Alzate, professora de literatura da Universidade de Los Andes. Suas protagonistas, a holandesa Lucía e sua amiga, a colombiana Mercedes (alter ego da autora), “são mulheres fortes que já não morrem de amor e que desenham seus próprios destinos”, afirma Alzate em seu prólogo. A obra, além disso, “entra no debate com a maneira que o romantismo imaginava as mulheres e o lugar que dava a elas somente como amadas”, diz a professora ao EL PAÍS. Em sua dezena de romances anteriores, Soledad Acosta de Samper “consegue explorar o que significa ser uma mulher que quer escrever e contribuir à construção de nação, que era o projeto de toda a sua geração, mas era eminentemente masculino”.

Em sua meia-idade, Soledad Acosta de Samper obteve diversas distinções como membro honorário da Academia Colombiana de História. Continuou escrevendo e publicando até sua morte em 17 de março de 1913, prestes a completar 80 anos. Depois permaneceu esquecida durante a maior parte do século XX. Mesmo tendo muitos leitores em sua época, “foi silenciada, invisibilizada, ignorada, por ser mulher”, conta a biógrafa Corpas de Posada. Os leitores especializados não a incluíram nas antologias. “Essa geração de mulheres não soube ler a si mesma, não soube entender-se, e quando morreram foi quase como se não houvessem existido até que a partir dos anos oitenta as feministas souberam como lê-las, e graças a elas chegamos a essas autoras”, acrescenta a professora Alzate. Essa redescoberta ganhou impulso quando o Ministério da Cultura declarou 2013 como “Ano Soledad Acosta de Samper”, pelo centenário de sua morte. Também foi colocada em andamento uma biblioteca digital que tem hoje 620 títulos. Mas ainda está longe de ser reconhecida como os autores homens de sua época que tiveram uma trajetória equiparável à sua.

 

Imperatriz Leopoldina - Qualificada pela história tradicional como a esposa traída e amargurada, princesa regente impactou o futuro do Brasil com suas opiniões políticas e diplomáticas.

[caption id="attachment_38818" align="alignnone" width="196"] Imperatriz Leopoldina[/caption]

Maria Leopoldina entrou para a história oficial como a figura de uma mulher traída, presa a um casamento de conveniência, amargurada pelas humilhações públicas perpetradas por seu marido, D. Pedro I, primeiro imperador do Brasil. Nascida Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena, se tornou “de Bragança” pelo casamento e “do Brasil” por sua obra. O que os livros da escola em geral não contam é que, em um período de efervescência política, a primeira imperatriz brasileira participou de uma sucessão de decisões que culminaram na Independência do Brasil em 1822.

Hábil diplomata e política, Leopoldina influenciava as decisões políticas do marido, D. Pedro I, contam alguns livros já do século XX que começaram a retomar sua figura. O chamado Grito do Ipiranga no dia 7 de setembro de 1822 dado pelo então príncipe regente Pedro, consagrado pela historiografia tradicional como o marco da Independência brasileira, é, na verdade, a ratificação da decisão tomada cinco dias antes por Leopoldina, junto ao Conselho de Ministros do então Governo do Brasil colônia.

Sobrinha de Maria Antonieta — que perdeu a cabeça nas guilhotinas francesas — Dona Leopoldina sabia muito bem a importância de estar atenta às inquietações populares. O retorno de seu sogro, D. João VI a Portugal, após um período de refúgio no Rio fugindo das tropas napoleônicas, intensificou os anseios da Metrópole para a recolonização, colocando o Brasil em uma situação muito delicada. Leopoldina concluiu, antes de seu marido, que se as ordens de Lisboa, que exigiam o retorno de D. Pedro e de D. Leopoldina para Portugal, fossem cumpridas, o Brasil se esfacelaria em diversas colônias distintas, como ocorreu na América Espanhola.

Foi neste panorama que, naqueles dias agitados antes da declaração de independência, uma série de movimentos locais haviam obrigado D. Pedro I a viajar, para conter as insurreições e manter a unidade do país. Na ausência de seu marido, D. Leopoldina governava como regente interina do país. Enquanto D. Pedro I estava em São Paulo, chegaram notícias de que 7.200 homens do Exército português seriam enviados ao Brasil, para forçar o retorno do príncipe e da princesa a Portugal. Leopoldina convocou o Conselho de Estado no dia 02 de setembro de 1822, que, sob sua regência, assina o decreto que declarava o Brasil separado de Portugal.

A sagacidade dos apontamentos políticos feitos pela princesa na carta que seria entregue ao seu marido comunicando a decisão impressionou o conselheiro Vasconcelos de Drumond, que teria comentado que as reflexões feitas por aquela jovem de 25 anos eram equivalentes a de um diplomata. A este comentário, José Bonifácio —então ministro e secretário de Estado— teria respondido sobre a superioridade política de Leopoldina em relação à Dom Pedro: “Meu amigo, ela deveria ser ele.” Assinada a independência e ratificada por D. Pedro, Leopoldina seguiria atuante, agindo diplomaticamente para que o novo Império fosse reconhecido. Ao caráter sui generis da Independência brasileira se soma o fato de que ela foi tutelada por uma mulher, em um contexto onde a política era dominada por homens.

O papel ativo de Leopoldina fora antecedido por um envolvimento com o Brasil. Austríaca pelo nascimento, lusitana pelo casamento e brasileira por adoção, a princesa havia se abrasileirado. Em suas correspondências já falava do povo brasileiro na primeira pessoa do plural, como “nós”. Em uma carta datada de julho de 1821, D. Leopoldina já havia assinalado aquele que viria a ser o seu posicionamento político a partir de então. “O Brasil é, sob todos os aspectos, um país tão maduro e importante que é incondicionalmente necessário mantê-lo”, escreveu.

Culta, poliglota, amante música e da ciência, na ocasião de sua vinda ao Brasil, organizou a chamada Missão Austríaca, trazendo médicos, minerologistas, pintores, botânicos e outros estudiosos, naquela que viria a ser a principal expedição científica às terras brasileiras até então. A contribuição de D. Leopoldina para a ciência do Brasil permitiu que a incipiente nação começasse a conhecer sua própria identidade, reconhecendo sua particular fauna e flora.

Herdeira de uma das mais poderosas dinastias europeias, Leopoldina casou-se com Pedro por procuração. Quando chegou ao Brasil em 1817 ainda não conhecia aquele que viria a ser seu marido, e responsável pelas agruras que viveu. Aos escandalosos casos extraconjugais de D. Pedro I se somavam o fato de que ele trancava a esposa em seu quarto todas as noites, e retinha as quantias financeiras às quais D. Leopoldina teria direito. Ela faleceu jovem, antes de completar os 30 anos, em 11 de dezembro de 1826. Deixou herdeiros que seriam os futuros líderes de Portugal e do Brasil. Sofreu, segundo suas cartas e relatos históricos, intensa violência psicológica por parte de seu marido. Na historiografia tradicional, alguns autores chegaram quase a culpá-la pelo fato de ter sido tão humilhada e maltratada pelo marido e por sua amante pública, Domitila de Castro.

Educada com a ideia de que o papel reservado às mulheres era a de serem protagonistas da política através de casamentos dinásticos, Leopoldina teria se resignado com sua infelicidade conjugal em detrimento de interesses maiores do Estado. Em uma de suas cartas, chegou a escrever: “Nós princesas somos tais quais dados, lançados à sorte ou ao azar”. Mal sabia Leopoldina o impacto que suas percepções políticas teriam sobre o futuro da nação brasileira.

 

Paulina Luisi - A sufragista foi a primeira mulher no Uruguai a se formar com um diploma universitário, promoveu a educação sexual e organizou o movimento crucial para que, em 1932, o direito da mulher ao voto fosse aprovado pela primeira vez em um país latino-americano.

[caption id="attachment_38819" align="alignnone" width="300"] Paulina Luisi[/caption]

Paulina Luisi faleceu em 16 de julho de 1950, mesmo dia do Maracanazo, aquele domingo mítico em que o Uruguai conseguiu ganhar a Copa do Mundo do Rio de Janeiro por 2 a 1 contra o Brasil. Diante da histeria do futebol, a morte de uma das feministas mais importantes do país passou despercebida. Não foi decretado nem um dia de luto oficial para celebrar a primeira mulher a obter um diploma universitário, a primeira médica cirurgiã do país, a feminista socialista que organizou o movimento crucial para a aprovação em 1932 do direito da mulher ao voto ― o primeiro país latino-americano a fazer isso ―, a que incentivou o direito à educação sexual. Os dois gols gloriosos no Maracanã nas primeiras páginas dos jornais ofuscaram seu minúsculo obituário.

“O que é, o que busca, o que pretende o feminismo?”, escreveu a líder sufragista em 1917. “O feminismo quer mostrar que a mulher é algo mais do que matéria criada para servir ao homem e obedecê-lo como um escravo a seu amo.”

Paulina Luisi nasceu em 1875 em uma família progressista, na qual sua educação e a de suas irmãs deveriam ser um direito tão legítimo como o oferecido aos homens. Seu pai, Ángel Luisi, militou nas campanhas pela unificação da Itália no século XIX, testemunhou o projeto socialista na Comuna de Paris de 1870, e em 1872 emigrou para a Argentina com sua mulher, Josefina Janicki, uma exilada polonesa e professora na cidade francesa de Dijon. A mais velha de sete irmãos, Luisi nasceu na cidade argentina de Colón, mas a família se mudou em 1878 para o Uruguai, onde ela estudou em um colégio interno do magistério de Montevidéu.

Em 1908, ela se tornou a primeira mulher do Uruguai a conquistar um diploma universitário, em Medicina (uma de suas irmãs mais novas, Clotilde, foi a primeira advogada do país; outra, Luisa, uma renomada poetisa). Nos Governos do início do século, que buscavam modernizar a crescente população urbana do Uruguai, o presidente reformista José Batlle y Ordóñez a enviou para estudar “medidas de higiene social” na França, onde fez contato com o movimento feminista europeu. “Voltou da Europa com uma animação formidável, pronta para se multiplicar em diferentes campanhas em favor das mulheres, para promover a educação sexual com outras médicas, para combater o ‘flagelo social’ do prostíbulo”, escreve a historiadora Gabriela Sapriza, lembrando que outra das preocupações de Luisi era acabar com a prostituição.

Luisi, que, como médica defendia a inclusão da educação sexual nas escolas, “argumentava contra os padrões morais duplos para homens e mulheres e contestava o pressuposto de que a procriação era uma responsabilidade predominantemente feminina”, explica a historiadora Asunción Lavrin. Sua abordagem como médica de muitas mulheres acabou estreitamente ligada a seu papel como líder política. “A própria labuta da gestação é um trabalho”, escreveu Luisi em 1919, quando exigiu que o Estado reconhecesse as cidadãs.

A maior conquista política de Paulina Luisi foi, talvez, conseguir formar em 1916 o Conselho Nacional da Mulher ― cuja sede era sua casa e também consultório ―, um grupo apartidário fundamental para a conquista do direito de voto para a mulher e que inicialmente recebeu o apoio de liberais, socialistas e batllistas (seguidores do Governo progressista de José Batlle y Ordoñez). A Assembleia Nacional Constituinte de 1916 estava dominada por conservadores e a decisão pelo sufrágio feminino foi posta de lado. “Que ironia selvagem ou que inconsciência obtusa inspiravam as palavras daqueles constituintes que não tiveram escrúpulos em negar às mulheres o direito à vida cívica”, escreveu Luisi em 1917 em Acción Femenina. Dois anos depois, em 1919, ela fundou outra organização importante: a Aliança das Mulheres.

Em 1932, a Lei do Sufrágio Feminino foi aprovada graças à pressão de Luisi e de organizações de mulheres. Mas, no ano seguinte, Gabriel Terra daria um golpe de Estado, impedindo a primeira votação. Quando a democracia voltou em 1938, temendo que as mulheres estivessem sendo cooptadas pelo movimento conservador, ela recomendou que não votassem. “Uma mulher projetada na esfera pública que renunciou a toda delegação político-partidária é, no mínimo, paradoxal”, escreve a historiadora Sapriza. Mesmo assim, foi graças a Luisi que o Uruguai se tornou o primeiro país da América Latina a conceder o voto às mulheres.

Paulina Luisi morreu aos 75 anos, não se casou nem teve filhos, e sua devoção foi dedicada à luta feminista. A obrigação conservadora do casamento, escreveu em um momento, restringe as mulheres a “uma renúncia perfeita dos sonhos e de suas ideias ante a personalidade de outro ser a quem devem obediência e respeito”. E Paulina Luisi não estava disposta a renunciar.

Fonte: El País

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