Considerando que a prefeitura pretende explorar o São João como atração turística, pedimos uma análise do evento a uma profissional da área: Kelly Amado, Turismóloga e Técnica em Eventos, responsável pela inserção de Alagoinhas no Mapa do Turismo Brasileiro do Ministério do Turismo desde 2017.
Análise técnica
Infraestrutura e adequação do espaço principal
A escolha do Estádio Carneirão como sede do São João de Alagoinhas 2025 foi um avanço estrutural para o evento. Com amplo espaço, acessibilidade e segurança, o local mostrou-se adequado para receber grandes públicos. No entanto, ainda carece de aperfeiçoamentos técnicos para alcançar o padrão de excelência esperado em eventos turísticos de grande porte.
A ausência de sinalização funcional clara e padronizada – indicando banheiros, saídas de emergência, pontos de apoio, acessibilidade e setores específicos – compromete a autonomia do visitante e dificulta a mobilidade. Esses critérios fazem parte do que o Ministério do Turismo reconhece como parâmetros de qualidade e segurança para eventos que desejam integrar a agenda nacional. A sinalização também precisa estar nos canais oficiais de comunicação do evento, garantindo que o visitante planeje sua visita com base em dados concretos da estrutura e dos serviços oferecidos.
Além disso, é essencial que a estrutura urbana e de serviços da cidade seja pensada como parte da experiência turística. A presença de hospitais, clínicas, supermercados, farmácias, bares e restaurantes fortalece a imagem de um destino seguro e preparado para acolher. A cidade está pronta – é necessário apenas ordenar e apresentar esse potencial de forma estratégica.
Ambientação, cenografia e experiências sensoriais
A Vila Santo Antônio foi um acerto na criação de um espaço acolhedor e plural, com estrutura adequada para famílias, crianças, idosos e visitantes em geral. Contudo, é preciso ir além da cenografia visual. O público busca hoje vivências autênticas e sensoriais.
Uma sugestão importante é que as casas cenográficas se transformem em ambientes de experiência, permitindo ao visitante entrar, interagir e vivenciar aspectos da cultura local, como utensílios, músicas, aromas e objetos do cotidiano nordestino. A ambientação do Carneirão também precisa refletir essa intencionalidade cultural: bandeirolas, balões, iluminação cênica, figurinos típicos e elementos regionais devem compor uma narrativa visual imersiva, que conte a história da cidade e do seu povo. Essas ações favorecem a disseminação espontânea nas redes sociais e fortalecem o imaginário afetivo da festa. Alagoinhas tem identidade – e ela precisa ser apresentada com potência simbólica.
Curadoria cultural e fortalecimento da identidade
Alagoinhas possui um rico ecossistema criativo. Quadrilhas juninas, grupos de dança, músicos regionais, sanfoneiros e artistas populares formam um patrimônio imaterial que precisa ser curado e incorporado à narrativa oficial do evento.
É necessário que a curadoria artística seja planejada com critério e antecedência, integrando os fazedores de cultura local não apenas à programação de palco, mas também às peças promocionais, roteiros de divulgação, vídeos institucionais e materiais visuais. O público precisa ver nos artistas de Alagoinhas a alma da festa. Essa visibilidade fortalece o pertencimento, o orgulho e a conexão emocional com o território. Valorizar a cultura local não é apenas uma escolha estética, mas uma estratégia de posicionamento de mercado. O turista quer saber o que há de único. E Alagoinhas tem tudo: história, tradição, sotaque, talento, autenticidade.
Comunicação como eixo estruturante
A comunicação do evento precisa ser tratada como um eixo estruturante da estratégia turística. Embora tenha sido criada uma identidade visual para o São João de 2025, ela foi apresentada sem a devida antecedência e sem articulação com um plano de mídia estruturado. Isso comprometeu a efetividade da divulgação e reduziu o alcance do evento em plataformas digitais e na mídia tradicional.
A comunicação não pode ser fragmentada. É necessário definir quem comunica, para quem comunica e com qual objetivo. O uso de influenciadores locais e externos deve ser feito com planejamento, análise de métricas, coerência narrativa e entrega de resultados. Essas figuras, cada vez menos importantes, precisam estar alinhadas com a proposta e a identidade do evento.
Além disso, é essencial compreender que há dois públicos distintos: o interno, formado pela comunidade local, e o externo, composto pelos visitantes. Cada um exige uma abordagem específica. A reverberação externa é o que transforma o evento em destino. Para isso, é preciso cronograma de postagens, integração com portais especializados, produção audiovisual e textos que valorizem a história e a experiência da cidade.
Ordenamento e mapeamento do ciclo junino
O ciclo junino em Alagoinhas começa antes da festa oficial. Alvoradas, blocos, festas nos bairros e distritos, além da Festa de Santo Antônio, que vai de 1º a 13 de junho, compõem um calendário robusto de manifestações culturais.
Essas ações precisam ser mapeadas, ordenadas e integradas ao cronograma do São João, fortalecendo a cidade como território junino contínuo. Os bares e restaurantes já promovem forrós desde maio, antecipando o clima festivo e movimentando a economia criativa. Essa ambientação natural da cidade é um ativo a ser potencializado.
Se a proposta é afirmar “500 horas de forró”, que isso esteja documentado, distribuído e apresentado com transparência e organização. Isso é ordenamento. Isso é produto turístico estruturado.
Qualificação profissional e hospitalidade
A hospitalidade é um dos elementos que mais impactam a experiência do turista. A decisão de isentar os ambulantes das taxas foi positiva, mas ela precisa vir acompanhada de processos de qualificação e sensibilização. Cursos de atendimento ao público, manipulação de alimentos, hospitalidade e primeiros socorros são fundamentais para transformar o acolhimento em diferencial competitivo. O visitante quer se sentir bem recebido. E isso se constrói com pessoas capacitadas e comprometidas. A hospitalidade não é apenas gentileza; ela é estratégia. Ela prolonga a permanência, aumenta o consumo e fideliza o visitante.
Inserção no Mapa do Turismo e papel regional
Desde 2017, Alagoinhas integra o Mapa do Turismo Brasileiro, inicialmente classificada como categoria “C” e hoje com indícios de avanço para a categoria “B”. Isso significa que a cidade é reconhecida por sua movimentação econômica, capacidade de gestão e potencial turístico.
Essa inserção é mais do que simbólica: ela permite acesso a recursos federais, visibilidade institucional e fomento a políticas públicas. Mas isso só se mantém com dados concretos. O São João precisa ser mensurado em números: fluxo de pessoas, ticket médio, impacto econômico, permanência, satisfação. Essa tabulação é o que orienta investimentos.
Alagoinhas está geograficamente localizada em área estratégica, com potencial de articulação regional. Precisa se afirmar como polo. Como referência. Como cidade que sabe o que tem e sabe como mostrar.
Considerações Finais
O São João de Alagoinhas 2025 foi um marco positivo para a cidade, demonstrando crescimento, organização e vocação cultural. Contudo, para que o evento avance como produto turístico competitivo e permanente, é necessário um olhar mais técnico, sensível e integrado sobre todas as suas dimensões.
Comunicação, estrutura, curadoria, ordenamento, qualificação e planejamento não são etapas isoladas, mas pilares interligados de uma estratégia turística séria e transformadora.
Alagoinhas tem todos os elementos, o que precisa agora é saber ordená-los, apresentá-los e vendê-los com profissionalismo, beleza e identidade.